domingo, 17 de fevereiro de 2013

Breve olhar sobre o Balcão Nacional do Arrendamento/Despejo

Face à impotência dos tribunais em dar resposta, em tempo útil, aos conflitos dos cidadãos, tem vindo a acentuar-se a chamada "desjudicialização", que consiste em retirar competências aos tribunais, multiplicando-se as vias alternativas de resolução de litígios (balcões, arbitragem, mediação, etc.).

Estes mecanismos especiais têm a seu favor a celeridade mas têm contra si o facto dos seus utilizadores gozarem de menos garantias... E nem sempre é fácil encontrar um equilíbrio entre a desejável celeridade de uma sentença e a necessária garantia de que o processo será justo e a decisão ponderada.

As pessoas não compreendem (porque os "tudólogos" da televisão não sabem explicar...) como é que é possível um processo demorar 4 anos até ser definitivamente arrumado, mas a verdade é que quando um processo entra no Tribunal é preciso ir bater à porta da outra parte (o que nem sempre é fácil), ouvindo-se as (longas e diferentes) versões, depois (e normalmente uma das partes tem interesse em que o processo se arraste) levantam-se impugnações e nulidades a rodo, o Juiz tem que se pronunciar sobre todas as "pintelhices" (Catroga dixit), findo o processo na 1.ª instância há recursos, aclarações... Se pura e simplesmente se vedasse o direito de recorrer para os tribunais superiores p. ex. muitos processos conheciam o seu desfecho em muito menos tempo, mas isso redundaria num prejuízo inaceitável para muitos cidadãos de boa fé que tiveram sentenças desfavoráveis por erro do Juiz e que ficavam privados da possibilidade de um juiz com mais traquejo (da Relação ao Supremo) apreciar a validade da sentença...

Longe deste ritual, o procedimento especial de despejo ("irmão gémeo" do procedimento de injunção) tem por escopo ser uma forma célere (é um processo urgente que "não pára" durante as férias judiciais) e barata para os senhorios correrem com os inquilinos incumpridores... Terá sede no Porto e vai contar com 11 trabalhadores (e acreditem que chegam)...

Este mecanismo aplica-se tanto a arrendamentos habitacionais como comerciais mas para poder ser utilizado têm que estar preenchidos (pelo menos) 2 requisitos essenciais: (i) haver um contrato de arrendamento escrito (ii) ter sido liquidado o Imposto de Selo.

Para além desses requisitos, os senhorios apenas podem lançar mão do BNA em caso de (1) revogação do contrato (quando senhorio e inquilino chegam a um acordo); (2) caducidade (p. ex. se o contrato de arrendamento estipular que o contrato cessa no dia 17/02/2013, não se renovando); quando o contrato cessar por (3) oposição à renovação automática, quer por parte do senhorio quer por parte do inquilino (situação mais comum: o contrato renova-se automaticamente todos os anos, mas este ano o senhorio comunicou ao inquilino que não pretende a renovação do contrato); no caso de (4) denúncia do contrato por parte do senhorio quando este necessitar da casa para ELE ou os seus FILHOS morarem, para demolição ou realização de obras profundas; (5) Denúncia do contrato por parte do inquilino, passados 6 meses de arrendamento pode denunciar o contrato a todo o tempo, desde que avise o senhorio com 4 meses de antecedência (6) Resolução do contrato porque o inquilino "se esqueceu" de pagar as rendas (durante mais de 3 meses) ou porque se opôs à realização de obras necessárias para garantir a habitabilidade do locado

Se estiver numa das situações supra, preenche um requerimento (disponível no sítio da internet do BNA), onde se identifica o locado (casa), o fundamento do despejo, alguns dados do contrato (data, valor da renda etc.), pode escolher o notário ou Agente de Execução (se não escolher será sorteado um) que vai promover o despejo, identifica o inquilino (e o(a) companheiro(a) caso também more na casa), se o inquilino tiver rendas em dívida pode/deve aproveitar para fazer o pedido do valor em dívida (pode também peticionar o valor dos estragos feitos na casa), indicando logo bens do inquilino à penhora (p. ex. se souber que o inquilino tem um BMW deve indicá-lo logo para penhora).

Para fazer este requerimento não é necessário constituir advogado mas eu não aconselho um "leigo" a fazê-lo, a menos que efectivamente tenha uma boa base jurídica, até porque se utilizarem este expediente indevidamente incorrem em responsabilidade civil (e eventualmente também criminal).

Feito o requerimento, tem que se pagar a taxa de justiça, o pagamento pode ser feito através do multibanco e tem um custo de € 25,50 ou € 51,00 consoante o valor da acção seja até € 30.000 ou de € 30.001 em diante, respectivamente.

Os 11 tipos que trabalham no BNA, quando recebem o requerimento dão uma vista de olhos e, se não houver fundamento para recusa, notificam o inquilino através de carta registada com AR dando-lhe 15 dias para desocupar a casa (e pagar o que deve) ou deduzir oposição. Se o inquilino se recusar a assinar a carta, o distribuidor postal lavra nota do incidente e o inquilino considera-se notificado/citado, se o inquilino não levantar a cartinha (e acontece tantas vezes...) considera-se notificado 8 dias depois de lhe ter sido deixado o aviso.

Se o inquilino (i) não deduzir oposição, (ii) deduzir oposição mas depois não pagar a taxa de justiça (€ 306,00 - até 30.000,00 ou € 612,00 a partir de € 30.001,00...) e uma caução no montante das rendas em atraso, ou (iii) durante o processo não for pagando as rendas que se forem vencendo, o requerimento converte-se logo em título executivo ("igual" a sentença de um juiz).

Exemplificando: Se o senhorio recorrer ao BNA porque o inquilino lhe deve 4 meses de rendas (€500/Mês), o inquilino, para deduzir oposição ao despejo, tem que pagar € 306,00 de taxa de justiça + € 2.000,00 de caução, tendo ainda que constituir advogado (sem prejuízo da concessão de apoio judiciário).

Se houver oposição, o julgamento decorre no prazo de 20 dias (prazo meramente ordenador = contem pelo menos com 3 meses...) e a sentença é logo ditada para acta. Importa assinalar que, caso a oposição seja manifestamente improcedente, o inquilino é condenado em multa não inferior a € 250,00.

Se o inquilino não deduzir oposição, ou caso deduza oposição e seja vencido, o Agente de Execução, ou notário, desloca-se de imediato ao local e, caso o inquilino se resigne e entregue as chaves da casa, toma posse da mesma. Caso existam indícios de que o local está abandonado (a caixa de correio estiver atafulhada p. ex.), o Agente de Execução pode arrombar a porta e trocar a fechadura... Na minha opinião, aqui foi-se demasiado longe, a entrada na habitação de outrem é um meio extremamente invasivo e que carece obrigatoriamente de autorização de um juiz, independentemente de qualquer indício mais ou menos evidente... E não sou eu que o digo, quem o diz é a Constituição da República Portuguesa que no n.º 2 do seu art. 34.º estipula: "A entrada no domicilio dos cidadãos contra a sua vontade (seja ela expressa ou velada) só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente..." leia-se por um juiz... pelo que esta norma (que permite a entrada do AE sem despacho judicial quando existam os tais indícios de abandono) se encontra, salvo melhor opinião, ferida de inconstitucionalidade...

Prosseguindo, se o inquilino for teimoso como uma mula e não deixar o Agente de Execução (ou o notário) entrar, nem desocupar a casa, este tem que pedir autorização para entrar à força ao juiz, que tem um prazo curto para se pronunciar.

Com o despacho do juiz, de nada valerá a teimosia do inquilino que terá mesmo que desocupar a casa, sob pena do Agente de Execução ou notário (acompanhado da polícia) lhe arrombar a porta e trocar a fechadura, dando-lhe depois 30 dias para vir buscar as suas coisas, caso contrário consideram-se abandonadas.

Existe apenas uma ou outra situação em que se tem que suspender o despejo (p. ex. se este colocar em risco a vida do inquilino), sendo que o inquilino tem ainda a prerrogativa de requerer um diferimento (adiamento) do despejo por "razões sociais imperiosas" (basicamente quando viva numa situação de grande precariedade). Feito o pedido, o juiz decidirá se autoriza ou não, todavia, o diferimento não poderá exceder os cinco meses.

Caros leitores, é, em traços gerais e sem preocupações de rigor, este o modus operandi do novo BNA...

LP


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