Embora tenham decorrido vários meses desde que a decisão de um jovem juiz da comarca de Portalegre saltou para as parangonas dos jornais, parece-me ser ainda pertinente explicar esta decisão que (com a ajuda do n/ jornalismo caseiro) baralhou tanta boa gente.
Vamos aos factos (é um bom exercício para aferirmos da falta de rigor do n/ jornalismo):
1.º A casa não foi entregue ao banco... Foi vendida judicialmente através de propostas por carta fechada (o banco/credor fez uma proposta e comprou-a);
2.º A casa foi avaliada em € 117.000,00 e foi vendida por 70% desse valor (€ 82.250,00);
3.º Os mutuários/ex-proprietários da casa não ficaram "safos" da dívida... Foram condenados a pagar € 12.021,52 ao banco.
A esta altura é possível que o caro leitor pense que não estamos a falar da mesma notícia...mas estamos.
Vejamos,
A casa tinha o valor patrimonial de € 117.000,00, foi colocada à venda por 70% desse montante (70% é/era o valor regra nas vendas judiciais) e o banco (o mesmo que concedeu o empréstimo) chegou-se à frente com € 82.250,00.
O empréstimo cifrava-se nos € 129.551,52 e, segundo a praxis, aqueles que contraíram o crédito ficavam sem a casa e teriam que pagar a diferença entre o valor da venda e o valor do empréstimo. Neste caso o casal teria ainda que pagar cerca de € 46.000,00.
Assim (simplificando), o que não raras vezes acontecia era que o banco fazia grandes negócios com isto, pois emprestava 100, a casa era avaliada por 80, depois, em caso de incumprimento, o banco comprava a casa por apenas 60... Quem ficava sem a casa ainda tinha que pagar ao banco os 40 que faltavam... e o banco depois colocava a mesma casa no mercado por 80... Ou seja: ainda lucravam com a situação...!
A novidade nesta decisão foi que o juiz entendeu que o banco ao comprar a casa por apenas 70% do seu valor (e este é o âmago da questão - o facto de ter sido o próprio banco a comprar a casa e não um terceiro) não teria direito ao remanescente do crédito (aprox. € 46.000,00) pois isso constituiria um enriquecimento sem causa... nunca falando em dação em cumprimento (entrega do bem para saldar a dívida) .
Condenando-os a pagar não os € 46 mil euros peticionados pelo banco mas apenas € 12.021,52€ (117.500,00€ – 129.521,52€).
Embora o magistrado tenha fundado a sentença em institutos jurídicos previstos na lei, a verdade é que gerou sentimentos distintos (uns aplaudem outros consideram que a decisão é demasiado ousada e que o juiz não pode ser ao mesmo tempo legislador)...
Está longe de fazer jurisprudência mas pelo menos teve o condão de colocar o problema na ordem do dia, tendo por conseguinte sido promulgados alguns diplomas sobre a matéria.
LP
* Paul Magnaud, magistrado francês do Séc. XIX, famoso (e polémico) pelas suas decisões, nas quais privilegiava a justiça e a equidade, mesmo que decidisse contra a lei. Numa das suas sentenças mais afamadas absolveu Luísa Ménard, depois desta confessar que tinha furtado um pão para alimentar o seu filho de 2 anos.
Sem comentários:
Enviar um comentário